Estereotipos


Ao longo dos séculos a mulher tem estado sujeita a moldes. Não só os fisicos mas muito mais na sua condição postural. Da submissão do animal domado e domesticado até à doutrina da executiva implacável, da excelente parideira à determinação da não descendência. No entanto e apesar destes dois polos estarem ligados por um fio de luta, sangue e tantas lágrimas, sempre se esperou que a sua conduta fosse orientada dentro de alguns parâmetros que se mantêm intemporais: A mulher tem de ser bonita, elegante e disponível. Ainda há trela sim, mas invisível.

De pedra


O mundo dos homens é tão injusto. Tão injusto que tenho dias em que me apetece ser estátua. Fria e dura, impermeável a qualquer sentido, à prova de todas as dores. E estar num alto, num pedestal qualquer onde o ar é mais puro.

Beleza



A dos olhos que se alagam na profundidade de um acto de amor materializado ao tacto pela pele que desliza na do outro até se tornar mistura rica, mistura fina.
A seguir o silêncio.
O pesado silêncio que os tapa no arrepio e adormece.

Mensagens



Os homens e as mulheres respondem a estímulos comuns. Depois há os outros que cada género provoca no seu oposto e assiste tirando para si um outro tipo de estímulo. E voltamos ao estímulo partilhado de igual modo. Já o disse aqui e repito, no privado nada é interdito, principal e primordialmente no imaginado, seja na provocação seja na conjugação do querer. Mas há algum tipo de mensagens que não atinjo... a da senhora na fotografia, por exemplo. Será das figuras compostas que desenha com o varão entre pernas que estimula o globo masculino? Partindo do básico que o varão simboliza o fálico algum homem aguentaría tanto tempo tanto exercicio gímnico sem resolver a questão? E se é arte de que se trata a nú porque babam uns quantos? Tire-se-lhe o varão. E agora? É que imaginando um homem por mais belo que ele fosse pendurado de cabeça para baixo a deslizar pelo aço do varão acho que desataría a encomendar-lhe as actividades circenses... e lá se ía o estímulo.

Do oposto se faz perto


Do distanciamento das coisas se ganha a desenvoltura das vistas. Quero eu dizer que sendo o homem o oposto morfológico e sensorial da mulher, tem capacidade bastante para a entender próximo de si. Exemplo: Os grandes costureiros são homens. Pergunta: Vestiram-se a si mesmos para na antecipação sentirem o lado feminino que todos dizem que também coexiste no homem? Decerto que não. Mas atingiram .-Nos. E o que é facto é que não vejo na inversa o exemplo original, ou seja, mulheres da Haute Couture a vestirem de principio os homens... Já sei que tudo isto é politicamente condenável e até poderei despertar a estimação de algum ódio feminista. Machista. Mas não sería tão mais fácil entrar no mundo de lá em vez de medir forças para tentar arrombar-lhes a porta?

Espreitar



Gosto de espreitar. Não no sentido voyeurista da coisa nem de uma masturbação mental que me faça chegar através do imaginado comigo ou do arrepio de ser apanhada no flagrante. Gosto de espreitar para saber como é por dentro. Tão pouco disfarço a intenção. É-me inato querer saber o miolo, como quando em menina virava as saias das bonecas para lhes conhecer o enchimento, o material e as formas de que eram fabricadas. Assim se mantém. Gosto de relógios transparentes onde consigo ver o mecanismo a vibrar. E pergunto-me: Este tão pequenino martelo é que dá horas ao mundo? Sim. E o espreitar tem outra dimensão.

Oh, não!


Mas que coisa!
Apercebi-me que de repente muita da virtualidade feminina adoptou como avatar um sapato!
Primeiro achei uma estranha coincidência, agora começo a acreditar que gostaram e copiam!
Será possível?!
Eu que tento o singular e invulgar vejo-me confrontada com uma espécie de corrente que me arrasta inevitavelmente rotulada como mais uma! Não quero, não sou.
E também não me apetece mudar a minha imagem de marca. Para além do sapato, a carga da presença, das minhas idéias, das minhas convicções, do meu torcer de pés quando o caminho é pedregoso. Aguento-me.

O meu armário


Encaixam-se no meu roupeiro, ombro a ombro, várias mulheres. Temporais. Intemporais. São devaneios mas também são certezas. Não ando a reboque de modas, ondas, vagas, tendências. Prefiro-me na minha linha, incólume à absorção do actual e das suas imposições. Os vidrilhos dos anos 20 convivem pacificamente com o lado negro dos vermutes no final da tarde e o riscado sóbrio de executiva areja nos jeans rasgados à altura dos joelhos, das nádegas.
Este camaleonismo vem de dentro, o que se põe a tapar a farda da pele é tão só uma pequena pista, nada que permita aos desatentos tirar conclusões. Para se saber mesmo, há que falar comigo, olhos nos olhos, som na boca. E hoje apetece-me ser... adivinhem...

A terceira visão


É-me magnifico ver como os artistas-homem pintam a mulher.
Seja numa condição prostituta seja-o na de beatificada há uma adoração quase consternada na forma como ilustram o sexo feminino. Não há grotesco que choque, que manifeste desagrado, que cause desagravo às de seu par, ou pelo menos a mim. Ser o objecto de uma tela, de umas mãos que desmancham e montam a escultura é já por si um culto indestrutível. São olhos especiais que a veem.
Haja artista.

Segredos



São os segredos coisas para se guardar ou coisas para serem contadas?

Se a ninguém os dissermos são como inexistentes; Se os revelarmos passarão de boca em boca até à cousa comum.

É então o segredo um ladrão barato. Leva-nos a tranquilidade e se partilhado torna-se fanfarrão.

Murais



De tanto vivermos e respirarmos num sitio, numa casa, num cómodo, as paredes tornam-se absorventes daquilo que somos, do que sentimos, do que envelhecemos. Decoram-se das nossas marcas de transpiração nas mãos quando o medo chega devagarinho, das lágrimas vertidas a coberto da noite, das costas, do rabo encostados quando a vertigem apanha a surpresa, da sola dos pés na medida do que crescemos entre cabeça e a outra parede no extremo exposto. São sinais de tempos invisíveis a olho nú, surgem quando se pára e se olha à volta o tamanho do nosso mundo. E encolhem essas paredes, esses murais pintados a anos a sentirem que nos protegem nas memórias que esquecemos de lembrar. Hoje apetece-me ler-lhe uma frase especial ___________________ Eu passei por aqui.

Pero que las hay...





Não acredito em anjos, ninguém consegue ser tão bonzinho como as fadas e as sereias - parece-me a mim - têm a diminuta capacidade de reter seja o que fôr pelo mesmo tempo que os outros peixes conseguem, ou seja, nada mais para além de uma memória de 8 segundos.

Gosto de feiticeiras. Bruxas, como lhes consagram na malévola distinção de mulher menor.

E gosto delas porque tudo o que delas vem é imaginação, criação, surpresa. Para o bem e para o mal. Conheço mulheres que são feiticeiras, lançam enguiços e grilhetas e as suas presas gostam. Não sabem que estão enfeitiçados embora o digam num sorriso jocoso. Mas gostam. E lá no fundo sentem um orgulho bonito de terem sido os eleitos.

Pés tortos


O mundo caminha em passos que se cruzam em sentido contrário, sentidos proibidos, ignoram a infracção. Fala-se de recessão e apresentam-se planos de poupança fantasiosa quando na generalidade mingua o essencial para a sobrevivência. Apela-se à pirâmide social em que o pico é o factor humano mas facções delapidam-se até à extinção sob conferências e reuniões onde se fumam cachimbos da paz por homens que nunca agarraram uma pedra na mão. Vingam-se mortes com mortes de outros. E eu pergunto-me para que servem os pés.

Já chega!




Juro!


Já não aguento mais votos de bom ano, desejos de saúde, paz e amor. Estou cansada de os ouvir e retribuír num enrolar de lingua. É que já parece tudo tão forçado e a despropósito que parece que têm um programa a debitar!


Podemos voltar ao normal, pf?!

Causa/efeito


Não há mulher que não goste de ser apreciada. Olhada. Gulosa mas elegantemente, nada de babices nem ditoches baratos e tão pouco os malfadados assobios, que esses servem para os asnos.Mas quanto desta raça masculina se aguentaría na resposta quando o intuito é arrancar-nos a roupa só com o olhar? Imagine-se... Eu entrar num café, pedir um chá e o cavalheiro do lado insistentemente na outra mesa não tirar os olhos das minhas pernas, do meu decote. O normal, habitual e expectável sería eu sentir-me incomodada; mas quiçá, nesse dia apetece-me dar troco e num ímpeto arrojadissímo abro a blusa saltando botões e rasgando casas, exibo a poitrine aconchegada na lingerie transparente e na ponta de dedo molhado no inocente chá desenho um traço imaginário ao longo da perna terminando na renda do cinto de ligas...

Guerrilhas


A eterna guerrilha do apetece-me e o não se deve. Não se deve dizer uma e outra coisa mas apetece mesmo, de vez em quando, mandar tudo às urtigas. Não se deve comer isto e aquilo porque engorda mas no fim de tudo há-de haver uma caixa igualzinha para todos os que vão deitados. Não se deve ter mais do que um grande amor na vida (para o poder chamar de um grande amor) mas a vida é demasiado curta para se desperdiçar o sentir. Agora pergunto, retoricamente, que não quero respostas... Sou só eu que penso isto?! Sou só eu que vejo o mundo de pernas para o ar?! E nestas duas frentes, quem ganha?

A coisa politica



Entrei, entrámos todos.Não sei se me apetece muito continuar a participar desta crise, a privar-me, a manter os ouvidos atentos a um discurso de que a seguir à contenção poderá sentir-se uma folga, é que a capacidade inventiva para dar volta aos meses vai escasseando e até as expectativas acabam por endurecer numa apatia de tanto faz, já que a revolta também desgasta e as energias têm de ser poupadas. O mundo entrou no novo ano já cheio de apreensões. Medos. Pobreza no bolso e pobreza no coração. Apetece-me outro ano, um outro qualquer sem bicho-papão.

Uma espécie de poemática


Para adoçar o que vem por aí:
O ano é um fruto. Cortado na sua metade. Cada gomo um mês. Alguns bem sumarentos, um e outro, ácidos. Alguns gomos custam a despegar dos seus pares, entalados no conforto e amparo. Outro soltam-se de puxão e pouco se aproveita do miolo, seco, sem paladar, do pouco sol que apanhou. Depois de todo comido diz-se que era bom. Ou não. Mas sempre se há-de repetir a experiência, voltar a comer, lambuzar, até mesmo dos que têm bicho e se atiram para longe. Eu gosto do fruto sem aditivos, puro, como a natureza o fez crescer.