De volta ao passado


Finito. Acabou. Dolce fare niente que já eras. As horas têm estas coisas de rebuçado: Quanto mais chupadas mais rápido se dissolvem. Resta-me a consolação do sabor na boca, um adocicado que aos poucos há-de perder a intensidade. Regresso à luta e à selva de betão. Lá porque folguei o mundo não parou. Salto para este tempo, venço a inércia dos movimentos e nem preciso correr. (Não me apetece mesmo nada...)

Carnavais


Adoro estes dias. Quer faça bom tempo ou chova copiosamente. Adoro este interregno na seriedade da vida e nas obrigações de horários, na farda social, no fardo do tem que ser. Adoro acordar tarde, comer a deshoras, saír de jeans e ficar simplesmente aterrada no sofá sem fazer nada. Estes dias são um trampolim, uma ponte entre a loucura condicionada e a loucura que me faz falta. (Não estavam a pensar que isto era a apologia da festa pagã, pois não... Haja paciência para tantos carnavais pelo ano inteiro...)

Stiletos ao poder, já!


Que raio têm uns sapatos de salto alto nos meus pés que não têm os meus pés sem eles? Não deixam de ser os meus pés, as minhas pernas, o meu corpo, a minha cabeça, eu: um ser pensante com capacidades e estratégia suficiente para decidir e defender, arcaboiço forte qb para aguentar os embates. Que raio têm uns sapatos de salto 9 que me dão tanto poder? Constrangimentos da minha espécie.

Hora de ponta


Trânsito compacto, fila, 8 da manhã, nada anda, tudo parece um parque de estacionamento com os carros a trabalhar, fumos, luzes de stop, vários tipos de música misturam algumas discussões entre casais e choros rabujas de crianças presas a cadeirinhas, jornais abertos a tapar o volante, uma, duas, muitas buzinas exaltadas, alguns metem o dedo no nariz e desentopem a noite mal lavada em todos os orificios possíveis de serem esgravatados, mulheres maquilham-se e pensam no que farão para o jantar dali a 12 horas. Afinal todo este transtorno foi um atropelado. Nada mais.

Padrão



Por vezes ao tentar adquirir um objecto, uma simples peça de roupa, papel de carta sou confrontada com a pessoa que está do outro lado e na maior boa-fé a segredar-me que se vende muito bem. O profissional que o faz não sabe mas no preciso momento da sua afirmação acaba de perder-me como cliente. Não que eu tenha a pretensão das exclusividades (até que gostava!) mas se há coisa que me afronta e até atemoriza são os padrões, os standards, a norma, a regra, o certinho, o politicamente correcto, o irreprensível. E agora coloque-se esta realidade anémica, asséptica no patamar das emoções. Não me vejo a amar formatada(mente, mente)...

Do culto


A sua única função é ser olhada, tocada na ponta do dedo, adorada. Não a uso nos meus escritos, só nas minhas ficções: Sento-me direita à sua frente, as mãos pousadas sobre as teclas arredondadas empinadas nos ganchos de metal, cheiro-lhe o óleo que impede de emperrar, imagino-me diva, detective, suicida, amante. Amo este objecto sem utilidade. Chamo-lhe arte. É só para ser amado.

Antecipação/Substituição

Posso afirmar sem grande margem para erro, que vejo televisão por sorte. Ou por azar. E que me apercebo que o nosso sistema de justiça falho no tempo e nos meios se arrasta até ao tutano da paciência dos contribuintes, moi-même inclus. Pergunta: Que tem o cu a ver com as calças? Pois tem... Tudo! É que quem vê as suas causas arrastarem-se ad eternum até ao carimbo do arquivado, num última réstia de oxigénio parte para os media e aí, mal ou bem antecipa o papel da velha senhora de olhos vendados, sendo que não a substituíndo, expõe as mazelas dos que deveríam fazer o seu trabalho e aí... É vê-los a dar às mangas de alpaca.

Sol de Inverno



Hoje apeteceu-me arejar os meus sapatos novos, encostar as botas, as galochas e tudo o que é impermeável. Apeteceu-me sol, sol e mar. A mim e a mais 500.000 que tiveram exactamente o mesmo apetite. Palavra que o que me prendeu a atenção não foram as ondas, o cheiro picante da maresia, ou até os pequenos truques que a canzoada exibiu! Foram os de minha espécie! Ele foi pinos, foi buracos, foi jogas de futebol entre mulheres de grandes mamas a abanar contra a equipa dos pançudos, foi fotos e vídeos, poses e gritos histéricos! Vejam só como ficamos quando nos tiram a trela e o açaime!

Hoje, Não!


Hoje é aquele dia e aquela noite em que eles oferecem flores, o jantar e a queca mais trabalhada. Hoje é aquele dia e aquela noite em que elas oferecem um urso a dizer I Yyou, usam a lingerie vermelha e aguentam melhor a queca mais trabalhada. Nunca se amaram tanto como neste dia e nesta noite, nunca tiveram tanta certeza disso, e como a partir deste dia e desta noite serão felizes para sempre. Mesmo que amanhã seja de novo ontem. O comércio agradece.

Escapadela


Sou focada, atenta a detalhes e paisagens largas, conversas sobre coisas que não sei e desperta para reacções do género humano à emoção. Gosto de observar, analisar, ficar a matutar sobre. A minha imaginação recorta esses pedaços e coloca-os nesta minha casa do apetece-me, preenche os espaços vazios, dá-lhes cor e movimento, escrevo-os. Mas não consigo segurar a minha concentração sobre conselhos, admoestações, replicações sobre assuntos já falados, auto-promoção e venda. Evado-me. Dispo-me de tudo. À minha volta um deserto seco, árido, inóspito de mancha que me desperte.

Achtung!


À força de me chamarem do contra, veneninho, mau-feitio, torta, torcida e outros mimos que me dão cabo do fígado, sou bem capaz de me tornar na lenda que de mim fazem. Eu explico: Passo a encharcar-vos o correio electrónico de mails com totens da sorte e do azar, orações; Copio-vos o tailleur de mau corte e prego-lhe uma etiqueta DKNY; Faço reparo às raízes escuras que vos electrizam o louro-palha; Como éclairs, babás au rhum, garibaldis e russos e digo que não engordo um gr.; Lanço a suspeita sobre a identidade da nova favorita do Director. Era engraçado observar o vosso bom feitio. Atenção onde põem os pés! Parece que só eu tenho o mundo ao contrário...

Fins


Coisas que não têm ligação alguma entre si se eu não existisse e as sentisse de igual forma, penosa, embora o tempo as seccione na importância atribuída então.
Extinção por falta de lucros do perfume Havana de Aramis.
Extinção por falência do Ballet Gulbenkian.
Desactivação do Tribunal da Boa-Hora na R. Nova do Almada, ao fundo.
São dores minhas, apenas isso.

Assistida*

*Este post não é aconselhável a pessoas sensíveis



A morte. A vida. A vida é de quem a vive. E a morte? Haverá dignidade maior do que aquele que se gastou, dispôr antes do fecho do capítulo, do que se seguirá? Foi comandante até à prisão no corpo, no sofrimento, na chaga. Não lhe compete a ele saber e decidir que é o último a abandonar a nau, seja no cortar dos cabos, seja no afundar para que os piratas não o vandalizem mais? Morte assistida e morte por eutanásia. Decidir, escrever e reconhecer perante o estado as suas vontades intimas. E que mais? Que mais se pede a quem não tem mais?

Água&Sabão


É incrível como nos tempos actuais ainda nos chegam informações sobre sitios do nosso Portugal profundo que não dispõem de condições básicas de saneamento. Não há canalizações, esgotos, uma mão sobre a torneira que a faça jorrar. Simplesmente porque a torneira se limitaría a um objecto de decoração. Mas na cidade? O que faz destes homens e mulheres de barba por desfazer, cabelo empastado, hálito de acetona, volumes ambulantes de ácidos, fluidos, suores?Eu cheiro-os, é-me inevitável, sou dotada de olfacto e por sinal bem desperto! Por isso, meus senhores, minhas senhoras: Não me olham com ar de que sou nojentinha, enjoadinha, esquisitinha porque sou mesmo! Basta água e sabão______________ only soap&water guys!

Fantasias


Não sou uma mulher violenta e abomino tal tipo de analfabetismo. Mas já dei comigo, irritadíssima, contrariada e a transformar-me numa fera. Literalmente. Com dentes afiados e garras para estraçalhar quem me perturba, pronta para o salto no pescoço da minha "vitima" a fim de a calar de vez. Geralmente deixo de ouvir o que se passa à minha volta e só quando recupero a minha figura humanizada dentro da cabeça é que tomo consciência dos malefícios da minha fértil imaginação. Engraçado... Ultimamente isto tem sido recorrente, de cada vez que vejo o nosso primeiro...

Da condição humana


Se há coisa que me altere em definitivo, é a suspeita. E no seguimento desta, a intriga, a boatice, as mentiras. Surgem como um rastilho que se alumía e no tempo de um pensamento tornam-se verdades instaladas como dinamite. Mesmo que se desminta, que se comprove o infundado do diz-que-disse, permanece sempre a lembrança do um dia ouvi dizer que ela/ele eram/tinham feito. Afinal, somos tão singulares, desenvolvidos e damo-nos a esta pequenez, predicado exclusivo do ser pensante. É para isto que serve? É que me apetece mesmo chamar de quadrúpedes àqueles que o fazem. Bestas irracionais.(Lá está o meu mau feitio... nem fizeram por mal, tadinhos!)

Fraquezas



Porque será que quando tenho pesadelos todos os caminhos são escuros, frios, ando perdida, o inóspito assusta-me e por mais que chame ninguém me socorre... Dizem que sonhamos o que recalcamos profundamente como uma defesa do género aquilo que não conheço não me atemoriza. Mas é precisamente o que não conheço que me faz medo. Estranha forma de sentir, estranha forma de esconder as minhas fraquezas... Pensava eu que era mulher valente, até enfrentar os caminhos que escondo.

deus(em minúsculas para não ferir)


Há dias em que só apetece fazer o proibido, o transgressível, passar o fio da lâmina para a imaginação do corte, saltar para o abismo, experimentar venenos e desafiar a lei da vida. Tudo parece certo no lado errado. Tudo parece viver-se no arrojado e perigoso. Porque a vida é madrasta tantas vezes e apetece ser deus por um dia que seja. A mim, apetece-me.

Ser e não se Ser



Ser o que não se é. Gostar de ser o que não se é, o que nunca se poderá ser. Querer ser o outro. Aquele que nunca se será. Sonhar com outro quando o outro é o eu. O eu é o outro, o mais verdadeiro, porém o inexistente. Viver por outro. Viver com a pele a tapar outro. Esconder sob a pele o verdadeiro outro. Que dor não deve ser!

Open mind

Espaço aberto. Nada a estorvar os olhos. Só um quadrado, dos vértices que unem paredes faço outros planos para subir outros cómodos. Empurro e varro lembranças do que foi e ao que serviu. Agora limpo de arestas poderá ser moldura ao meu feitio. A tela transforma-se nas cores que aguam salivares do apetecer. Hoje apetece-me azul. Azul da cor do imenso.

Camélias


Gosto de flores. Não por ser mulher e lhes ser apanágio gostarem, mas porque as vejo como a coisa mais chegada ao conceito de perfeição. Desde a estrutura até ao maravilhoso da cor tudo me enleva. Recebo uma única flor como o mais rico presente, predilecção para as camélias e por favor, nada de analogias com a sinalética da Dama. São parecidas com veludo e com carne e nos dias que correm têm o beneficio de não ter de se fingir aspirar-lhes o aroma como às de seu género: é que não têm perfume algum. E eu não sei fingir.

Dependências



Apeteceu-me testar, a mim mesma, sem nada de imposições exteriores ou outros factos de força maior que me levassem ao afastamento obrigado. Não estive doente, não viajei, não perdi o gosto ao meu blog. Testar-me: Até quanto do que aqui escrevo me é importante, me é prazeiroso, se torna rotina.Várias conclusões. Nem sempre belas, poéticas. A verdade é que gosto do meu blog, gosto do que escrevo, apetece-me construí-lo independente de modas e rumos, comentários deixados, talvez um narizinho torcido às fotos mais ousadas, gosto dos espaços negros onde consigo imaginar o que eu quiser. Gosto. Não estou viciada mas penso nisto, no que vou escrever, no que me impressiona durante o dia e quero dar-lhe luz à noite quando aqui chego. Faz-me bem. Isto é dependência?