Do hoje uma hora de ontem


Talvez do sol, talvez da chuva ou somente a segunda impiedosa a flagelar-me o horário incrementado nestas invenções de uma Europa que teima ser moderna e clama, no entanto, o seu estatuto de velho continente. Hoje não me apeteceu. Nada. Deixei numa fúria mansa o relógio nos números antigos e quase, quase, tive vontade de lhe dar corda à boa maneira do tempo passar sem lhe mexermos o indispensável. Não me apeteceu fazer coro a este jet lag imposto em que supostamente dobramos as estações e fazemos frente à natureza, mudando-a de Inverno para outras amenas temperaturas em que o corpo se lasciva em tardes que não findam. A segunda-feira ainda não acabou, porém o passado pertence já à terça que espreita.

FdS


Vivaldi na faixa da Primavera, cheio de repiques, tiques, arpejos, picados, um som de abelha laboriosa. Fecho os olhos e talvez (o sacana) se afaste. Aconchego-me à almofada de penas e autorizo-me a mais um par de horas. Nem mesmo assim, o som zumbido e (moltto allegro) esperto como um espumante se afasta e me deixa pensar noutras coisas mais sérias. Quero ficar, Vivaldi quer-me fora da cama. Odeio quando as músicas se instalam no meu cérebro. Passei o fim-de-semana com Vivaldi. É um bom amante, embora os folhos e a peruca me irritem um pouco. Talvez leve emprestada a sua indumentária na segunda-feira. Quero só ver quem tem a coragem de fazer um reparo que seja.

O abc da imagem


A velha máxima de que uma imagem vale por 1000 palavras depende muito do contador: Não do número mil, mas do contador de estórias. Uma noite destas vi-me entalada entre comensais que me eram perfeitos estranhos. Nunca os vira, nunca lhes sentira o cheiro e muito menos sabía dos seus hábitos alimentares. A vida tem destas coisas e eu, que embora me perca por surpresas temi que este encontro às escuras terminasse numa mesa de fastio. Enchi-me, regalei-me, lambi-me. As palavras beberam-se fluidas, a conversa variou no som, no tema, subiu de interesse à medida das horas passadas numa correría de não querer fechar a noite. Lembrei-me de tertúlias e adoçei o palato num até breve, até à próxima.

Cada um com a sua


É por de mais estranha a semelhança entre o mundo cruel e as virtudes deste tão perfeito inventado vilarejo mecânico. Ausente daqui e agora aqui regressada, apercebo-me que as coisas se desenrolam na sua costumada velocidade ao impulso de um toque. Lá fora, aonde circulo, mais do mesmo. Encontrei uma "velha" conhecida dos tempos de escola que me presenteou com uma festa capaz de fazer inveja a um comicio. Eu, afanada pelos abraços e nada apreciadora de estrilhos, arrotei um Olá baixinho e pedi desculpa, esperançosa que a outra me desse espaço para a fuga. Achou-me diferente, macambúzia, tristonha, doente e daqui até às suas maleitas foi um fósforo. Quería falar dela. dela. As interrogações de elegância e cortesia abriam-lhe botijas de ar para o disparo de novo monólogo. Lembrei-me de alguns comentários que por aí leio, a experiência de vida do comentador vem sempre à tona, ignoram o publicado e traçam linhas de paralelismo entre o que (não) leram e a sua sorte. Mas se calhar também não é assim... eu é que a deixei de ouvir.

Outra vez?!


Parece que me deu mesmo forte: dois dias seguidos a escrever no blog, a fazer de conta que voltei às velhas lides em que o apetite era todo ocioso, a fingir que não tenho mais nada de útil a fazer, a tentar esquecer que as obrigações justificam a chateza do nome. Talvez arranje uma desculpa, sórdida bem entendido, há outras? É que na verdade estou cansada do tem que ser e já agora, aproveito que sou a digna proprietária deste espaço vazio e preencho-o com outras inutilidades. Como a verdade é sórdida...

Calos


Agora que já apetece largar as botas de montaria e pôr um decote no peito do pé, resolvi que a segunda deste dia sería o prazo ideal para acabar com o silêncio a que me devotei. Não foi forçado, não foi intencional mas veio a jeito para arrumar certos assuntos que me fazíam doer os pés. Não sei se são como eu, mas a mim, quando o calo aperta, não consigo focar-me em mais nada. Agora assim, já leve, os dedos roçando a pele vizinha dos demais, sinto que a coragem da escrita regressa e de extremos como sou, melhor mandar pôr a pequena bolinha vermelha lá no alto, à direita do monitor, não vão uns Prada sagrados arrebitarem-se em chanatos de vizir. (calos sim, no dedo que ampara a caneta)