Com moderação


Vai que esta coisa do escrevinhar é velhaca e traiçoeira, redime-nos mas desvenda-nos. E vicia. Depois da primeira fome satisfeita dei comigo a altas horas da noite perdida num mar de letras e relido o serão, amachuquei tudo e deitei ao lixo. Acham que eu ía mesmo contar as minhas coisas? Isso tem cheiro de diário e eu não caio nessa esparrela. Ja vi muito bom escritor brincar aos escritores e vender as suas confissões como um best seller! Haja comedimento e recato.

Hoje voltou a apetecer-me


Um fastio farto antes de um apetite valente. É assim que estou e é assim que regresso. Tão cheia de força que até sou capaz de não fazer nada. É que há coisas assim: Tanta vontade que não se consegue. Mas também me fartei de não ter apetite e estas coisas - assim como as dietas a começarem no dia seguinte - têm o mal do adiar e esperar pelo melhor dia. Já descobri que o melhor dia não existe e lá me resolvi que era hoje, agora, já, sem muita cogitação ou considerandos que me levassem a elaborar um rascunho, passá-lo a limpo e revisão feita, lá o publicaría. O apetite aguça o apetite e se tal não se verificar, que reste o adoçado destas linhas para me enganar a mim própria. Ou um amargo de boca. Que sempre é melhor que não ter paladar.

Tesouro


Ainda há tempo. Há sempre tempo e espera. E regalo na mansidão dos silêncios em que os diamantes brilham de dia como de noite sem se esperar que se façam jóias para além do que são. Duras rochas, carvão. É pois assim que me esperas, recatadamente como se não tivesses importância e o apelo que (me) cerca é saber-te disposta a mim como o molde aguarda o recheio, a minha mão no teu dorso, nas tuas riscas que quiçá, saltaram das mãos do meu destino. Ainda há tempo, tão pouco tempo para te amar. (até sempre)

Anedotas&funerais


Não, não estou mórbida. Dois textos seguidos sobre a senhora da foice apenas me fazem sentir ainda mais viva. Mas lembrei-me, a propósito de cerimónias fúnebres de humores que se desenrolam quer na sala do velório quer seja no acompanhamento à ultima morada. Muita gente se reencontra nestes oficios, gente que não se avistava desde o último enterro. Põem a escrita em dia, falam do clube do seu coração, comentam como a prima e o tio envelheceram, o estar mais gordo, mais magro, mais careca, mais rico, a boazona que sempre aparece, a última anedota sobre o nosso P.M., a crise, as doenças e por último a elegia ao defunto, muito boa pessoa, não merecía nada. (Mesmo que tenha sido um filho da p...)

Sem data marcada



Quase de rajada o obituário cumpriu-se. Quase de rajada fomos metralhados por uma dose tripla de viagens de uma só ida. Farrah, Michael e Pina. Claro que no mundo estas viagens sucederam-se no anonimato, mas como estes três nomes são conhecidos e marcam bem um tempo da minha vida, é natural que aqui os refira. A morte é um encontro sem data marcada para ninguém. Devería, já que o considero um momento intimo, pelo menos ter aviso aos (des)interessados. Sempre havería tempo para satisfazerem alguns gostos.

Medir tamanhos


Atribua-se ao tamanho a importância que ele efectivamente tem. Quando crianças achamos o mundo à nossa volta fabricado por mãos de gigantes, nada nos serve, tudo é excessivo. Crescidinhos, falta-nos espaço, a área onde convivemos é sempre apertada, a pequenez dos outros faz-nos rir e sentir superiores, dimensionamos uma unha partida até à amputação de um braço. No final, o tamanho acabará por não passar de outra coisa senão a perspectiva que se tem; Ou melhor, a perspectiva que se educa, que eu creio que o conceito de tamanho se altera consoante a nossa maturação. A tal história do copo meio-vazio, copo meio-cheio...

Sapatos



Voltando à vaca fria. Ou seja, aos avatares com sapatos de salto alto. Os demais estão intimamente ligados a espaços virtuais que escrevem um supostamente eroticus mas que lendo bem, roçam o hardcore com a abundância dos verbos reflexivos. Ou então, acha-se exactamente o oposto: O feminino a esmagar na ponta do sapato o pior do masculino, fazendo deste género um acessório perfeitamente descartável. Eu só quero dizer que o meu símbolo é um sapato porque gosto muito de sapatos. Ponto. Grotescamente simplório, não?!

King


Dias em que a sétima arte me serve que nem uma luva. Esmago o próximo idiota que fizer uma observação sobre os meus sapatos. E o silêncio sobre a minha inteligência.

Apaziguar (o racional)


Há dias em que me basta a noite escura e um pedaço da Lua. E o sol entra de novo na minha vida.

Ordinário (marche)


Uns textos abaixo escrevi sobre uma reunião de apresentação de projectos. Falei de mim e de outras duas mulheres. A célebre reunião terminou com uma delas lavada em lágrimas, a outra a consolá-la e eu com um sentido de vitória - que confesso - se não fosse eu, dava nojo. Hoje soube que o projecto aprovado foi o da chorona, ao que de imediato o dito do quem não chora não mama me assolou o cérebro, logo seguido do nascer com o cú virado para a lua, ou para me retirar em beleza deste post: Pode quem manda (mas digam isto com os dedos na boca).

Montras

Há trabalhos que eu chamo trabalhinhos, nunca estão feitos, multiplicam-se e alimentam-se numa cadeia de pescadinhas de rabo-na-boca e, por isso mesmo, sendo causa de aborrecimento de morte, sempre ficam para trás, amanhã também é dia, é sempre amanhã que são feitos e dentro do espirito deste prazo, acumulam-se. Não sou só eu que padeço desta trabalhite, muitos proliferam nadando no hei-de fazer e, não sendo totalmente fruto do fastio que estas coisas de mão trazem, também serve para mostrar serviço enquanto roçam o fundo das costas pelas paredes. Montras. Que dão os seus frutos.

Conversa (é o que vocês querem)


Pausa para café numa reunião de apresentação de projectos. Os três projectos titulados por mulheres, um deles meu. Moderação por um homem, o chefe. Esgatanhamo-nos, eu defendi o meu até com dentes, diga-se que ao fim de 3 rounds levo a melhor e já deitei as duas ao chão. Falamos a mostrar a nossa civilizada condição, entre goles no cafézinho e umas alfinetadas. Vem à baila a minha obssessão por sapatos, que os devo usar de salto agulha até no areal. Concordo, claro que sim, sempre, só quando vou a despacho ao gabinete do chefe é que me descalço.

O entalado



O do meio, a quarta que separa a outra metade que renasce na expectativa do fim de semana. Ainda falta outro tanto de chateza e eu sem fígado para aguentar parceiros, prazos e outras palavras começadas por filhos da p. No fundo o entalado sou eu, a entalada, eu e mais uns quantos lusos que sorrimos por ter emprego, que sorrimos por receber salário, que sorrimos por ver o preço do salário e nos animamos por na semana seguinte voltar tudo ao principio.(fico tonta...)

Entre as mãos de uma criança

Fazem-me falta os lápis de cor que tinha na minha caixa de madeira quando andava na escola. A qualquer momento coloría um mundo que desenhava numa folha de papel branca e tudo voltava a ser bonito. Para onde foram esses tempos de simplicidade e alegria?

Arre!


O regresso à realidade é duro. Ainda mais numa segunda-feira em que a meteorologia resolve baralhar o calor com a chuva e a minha decisão sobre o que vestir (Posso ir de camisa-de-noite? Ou melhor ainda: Nua?). Mas quando, quase passadas doze horas de termos saído do ninho e aí voltamos, suspirando o finalmente, nos põem o dedo na campaínha e descobrimos que é a vizinha chata que fala pelos cotovelos e não diz coisa nenhuma e não temos como nos passar por defunto porque ela está sempre à espreita, o pensamento que me ocorre é uma célebre frase do meu avô: Fugi a cavalo num burro!

Looping


Como um voo cheio de acrobacias a fechar com chave de ouro no clássico looping, regresso amanhã à loucura do asfalto, ou seja, aterro os meus voos planados na secretária que me aguarda impiedosamente e quase certo, sem trem de aterragem para me amortecer a queda. Passa veloz o tempo quando o pensamento viaja agradabilissimo na ausência da obrigação pautada pelo horário, pelo trânsito, pela convivência forçada com quem não apetece. Fecha-se o circulo do voo arriscado que se finaliza onde se começou. (Desencorajador...)

Estória (sobre uma porta)



Estória contada por mim enquanto vejo a portada recortada por mão hábil. Fotografo nos sentidos toda a vantagem que o tempo perdeu, não tenho pressa, vou levar a intuição ao extremo e muito provavelmente a sensibilidade de braço dado, ajuda-me a decalcar nas costas nuas o carinho da noite e ainda o que sobra pela madrugada. Tenho fome, quero saber tudo, quero sentir tudo, temo que esta seja a minha única chance de o fazer, mesmo sem saber quando irei e se algum dia voltarei, as minhas hipóteses poderão não ser iguais. Não arrisco. Hoje é dia de viver a plenos pulmões até ao tóxico. Deixo que amanhã outra vontade me envenene e talvez conte outra estória.

Licoroso


Será que ontem nada me apetecía porque a partir de amanhã vou estar no ripanço até Segunda? O corpo sabe destas coisas, domestica-se rapidamente, ou seja, habitua-se depressa a uma vida mansa sem horários nem chatezas e muito menos falantes de conversa da chacha. Por isso, vou gastar estes dias em coisas sem interesse nenhum. Um licor até às férias! (Quem ficou que amouche. Há-de tocar a minha vez também)

Pf


Alguém por favor, me pode dar corda? É que hoje nada me apetece.

Ganhar&perder


A nossa consciência politica não está adormecida, está dormente. Ganhou um calo de tantas mentiras, de tantas desilusões, de tantas expectativas frustradas. Passou a ser um incómodo que se lembra existir quando chega a altura de exercer os direitos e deveres e que rapidamente se volta a esquecer. O voto em grande no não estou para este frete ou isto não vai mudar nada, estas não têm grande importância ou isto é bom é para quem lá vai para o poleiro, ganharam. Foi igualmente o voto da indiferença. Mas sublinhe-se que os que fugiram a este número votaram mais para que as rosas murchassem... ao invés das laranjas voltarem a dar sumo.

À primeira vista


Quem diría que este senhor - ou estes senhores todos - fazem parte de um génio que se ocupava no funcionalismo publico, bebía tinto carrascão e cheirava a tabaco que tresandava, o que afastava rapidamente da sua figura amarelada qualquer intenção de travar amizade? Pois é. As primeiras impressões são do caraças. Eu própria não devería aqui introduzir este "caraças", elemento que poderá levar o leitor incauto a concluír que o meu vocabulário é pobre e reduzido a lugares comuns. Mas se do latim aqui rapasse, outro galo cantaría. Ou se não me definissem o perfil fútil através da observação dos meus sapatos. O género humano é ingrato: Seleccionamos, agrupamos e rotulamos com a mensagem que nos chega à primeira vista. Miopias do espirito, acrescento eu...

Verdades solitárias


Ainda este estado gasoso da tristeza. Aos poucos e em milimetros aventuro-me sobre as causas, mas num plano hermético em que mais ninguém tem direito a caminhar. A tristeza é minha, não a quero compartilhar, não acredito nessa generosidade da troca de experiências em que o outro lado diz que percebe o que estou a sentir. Ele acha que sim e para nós é consolo bastante pensar que não estamos sós. Mas estamos, estou. Não ofereço as minhas dores para serem sofridas por outrém, não as sabería apreciar nem curar e a inversa é tão brutalmente verdadeira que se esconde, mistifica-se e justifica a entrega de um ombro para chorar. (Mas apenas e só)

Quieta


Quando estou triste muralho-me. Não sei se esta palavra existe mas a partir deste instante passou a fazer parte de mim para me significar. Ergo paredes circulares de betão armado para que nada entre e me toque, para que nada do que sinto verta. E todo o meu pensamento é uma espiral sobre a tristeza que me prende e me impede de calçar e fugir de mim para fora. É que estou de pés nus e o chão está coberto de vidros.

Imitação do sentir



Gosto de cinema europeu, especialmente do Francês. Gosto dos planos que exibem fazendo valer a imagem pelas muitas palavras que poderíamos ter como classificação das imagens. Gosto do que fazem sentir, de nos colocar na tela como se o espectador fosse personagem da trama. Vem tudo isto aqui parar ao meu blog por uma memória muito doce que tive: Lacombe Lucien de Louis Malle. Há uma cena em que uma mulher deitada de lado sobre um canapé, de costas para a camara, esconde os seus sentimentos. E a arte desse take é tão profunda que não é tão só a simpatia e empatias que temos por ela, mas a própria necessidade que nos leva a deitar de lado e a cobrir o que nos vai na alma pelo esconder do rosto.

Os meus minutos


Não quero um dia de. Só preciso de uns míseros minutos e nem sequer os quero de fama. Uns minutinhos onde dê azo à minha vontade e supremacia. Pelo menos de dona deste blog. Hoje apetece-me não falar de coisa nenhuma e isso implica tacitamente não riscar uma palavra que seja sobre humanóides. Por isso os cães. Que mesmo mordendo nunca me desiludiram. Sei com o que conto.

Reservas


Depois do dia disto, daquilo, e daquel'outro arruma-se-lhe com o da criança (porque não? é só mais um) e faz-se de conta que se tenta tudo por tudo por elas, em nome e benefício das crianças, esses grandes pequenos que são o nosso futuro, a nossa extensão no melhor, a nossa salvação. Entenda-se redenção. Tenho algumas dificuldades em acreditar nestas crianças porque tenho abissais dificuldades em acreditar nos adultos de agora e como tenho a opinião formada que eles serão o que lhes fornecemos hoje, a custo os projecto num mundo melhor. Mas o problema deve ser meu, que assim que se refere um dia como sendo o dia de, fico logo de malapata.

Cristalizar


Há uns anos ofereceram-me uma lata tipo-refrigerante, amarelo-girassol onde se lía California Sun. Fiquei deslumbrada. Não sei se pela infantilidade do objecto em si se pela idéia enlatada ou se por ambos. Sei que muitas vezes em vários momentos da minha vida apeteceu-me guardar instantes irrecuperáveis pela singeleza, pela nobreza mas também pela fragilidade. Enlatá-los apenas para saber que dentro dessa embalagem houve um tempo em que o tempo parou e que para além da lembrança há uma prateleira onde colocamos pedaços de vida em conserva para nos valer nos tempos dificeis.

Eu consigo


Nada de novo: a capacidade da mente humana é uma coisa que me transcende pelo extraordinário da sua laboração. Como é que é possível esta fábrica tão bem oleada e a maioria das vezes em condições adversas, conseguir criar imagens tão imensas que conseguem fazer crer que a realidade é aquilo que se pensa? Num dia de canícula como o de hoje, lá varri os tarecos todos do meu pensamento e alaguei-o de um oceano encapelado e gélido. A simples metáfora refrescou-me. Questão única: Até quando se consegue manter esta faculdade. Envelhece à medida da pele?

Bolas de sabão


Uma das coisas que mais me divertía em criança era fazer bolas de sabão e ficar a ver elas subirem, admirar-lhes o marmoreado das cores do arco-íris e apostar até onde poderíam ir até estourarem. Essa infantilidade ainda cá está. Não sei se é bom ou pernicioso numa mulher com a minha idade mas o universo que desperta em mim, nas minhas recordações e no efeito que despoleta fazem-me sentir bem, o que me leva a concluír que não deve ser (muito) mau. Depois dou comigo a achar semelhanças entre outras coisas que me fazem sentir bem e que nem por isso são muito saudáveis... O pequenino prazer que tenho em ver que uns quantos agem em contrefacção ao que proclamam aos quatro ventos é um deles. E quando estouram até me apetece bater palmas.

Clichés


Nunca hei-de perceber porque as casas de banho se assemelham tanto a confessionários. Ou pelo menos a locais devotados ao culto do mexerico. Mas são gabinetes muito especiais em que os segredos ali revelados têm à partida a intenção de se tornarem públicos; Se não o são de imediato pelo escutar de outrém disfarçado de morto, dias depois aparecerão naquela imprensa escrita tão peculiar cravada nas portas, pelas paredes. Não nego que me ocupa o espirito enquanto o corpo se dedica a outras actividades mais bárbaras. Foi precisamente num desses momentos de elevada introspecção que passei a desempenhar o outro papel, ou seja, o do morto. Do outro lado comentava-se a façanha de um dito chefe. Que brilhantemente chegara a essa posição dada a sua situação civil, mais que um casamento, um investimento. A esposa era o crâneo, todos sabíam, e embora estabelecida nas artes domésticas ela é que era a inteligente, a visionária, o poço de conhecimentos e instruções. Mas feínha, feínha como a noite dos trovões.Por detrás de um grande homem há sempre uma grande mulher. Não me contive e ri-me baixinho, como um rato contente que surripia o queijo. A conversa interrompeu-se de imediato. Por detrás de muita gente há sempre tanta dor de cotovelo...

Nem santa nem isto é o da Joana


Continuam a subir os números de violência doméstica. Dizem. Mas eu não acredito, ou pelo menos na forma como passam a estatistica à laia de marketing para incremento da venda de noticias. O que há agora é o relato, dantes o segredo. Mas as mulheres (e também os homens) continuam a sentir da mesma forma as mazelas do corpo e da vergonha e por muito tempo que passe, as nódoas negras nunca deixarão de ser isso mesmo. Note-se que me refiro às nódoas como sujeito que inflige um acto indigno a outrém.

Chega!



Hoje é um daqueles dias em que arrasto a mobilia da minha cabeça e deixo-a desimpedida de todas as tralhas e tarecos com que me encheram. Preciso urgentemente de a mobilar com arte. Coisas sem sentido no sentido cheio do belo. E o meu orange pekoe tea, porque me apetece.

Verdade&Consequência




Quando se gosta muito de uma pessoa, de como ela é, do modo como vive a vida e ela nos pergunta a nossa opinião sobre um trabalho seu, uma decisão sua que tenha implicado juízos de valor e a nossa resposta é exactamente o contrário de todos os sinais que o corpo, a fala dessa pessoa nos transmite, sentimo-nos embatucar, gaguejamos, o nosso cérebro tenta de uma forma rápida arrumar o coração e os sentimentos para que a verdade prevaleça perante quem tanto estimamos e nos merece essa confiança. Mas é uma luta desigual, a maior das vezes acaba-se na mentirazinha piedosa, o receio de ferir a quem gostamos fala mais alto e se acaso a consciência avança e dizemos francamente o que achamos somos olhados como cruéis, egoístas por nos vermos tão perfeitos. Afinal em que é que ficamos?

Negativos



Cada um de nós é um individuo único, original, que por muitas aparências e semelhanças que se tenham com outros não pode ser no todo ou em partes, confundido. Mesmo que as técnicas de clonagem consigam uma reprodução fiel do modelo primeiro, haverá sempre a considerar que o sujeito é passivo dos ataques exteriores do ambiente que o envolve: educação, cultura, meio social. Embora eu seja uma apoiante da máxima do mais vale um mau original que uma boa cópia, tenho por vezes a fraqueza de um desejo íntimo de ter guardado no armário uma cópia de mim e mandá-la à frente em certas ocasiões, tipo infantaria.

Evasões


Há vezes em que me vejo sózinha numa qualquer paisagem em que nada mais existe para além da natureza e eu. E grito, grito desalmadamente aos céus até ficar sem voz.

Punhos de renda



Basta haver dois para se criarem as condições propícias ao conflito, e não o digo com a intenção negativa de que toda e qualquer relação humana se arquitecta nesta base, mas se cada um de nós é um individuo com capacidade de achar e decidir é lógico que a concordância pode nem sempre estar presente. E não tem absolutamente de ser mau. Ou malcriado. Mas o que me aflige, é a defesa de um qualquer ponto de vista quando se apresenta cheio de maneirismos e tiques (nos nossos dias chama-se o politicamente correcto), e depois de virarmos costas ao que pareceu tratar-se de uma salutar troca de idéias (muito em voga, o brainstorm) se revela acrescentado de epítetos nada bonitos. A história está cheia de exemplos deste homem de punhos de renda que a maior parte das vezes não passa de um filho da puta bem vestido (vem isto a propósito de um certo chefe de que padeço...)

Polivalências






Desde que me entendo por gente a pensar por si mesma que ouço o meu pai em diversas ocasiões a enunciar uma frase, que sinceramente desconheço se é um provérbio ou de sua própria autoria: "Quem se senta em duas cadeiras nunca está bem sentado". Pai, se me lesse aqui vería que tenho de discordar... Quem não busca assento em várias cadeiras em simultâneo fica de pé. Ou no chão. Ou na pior das situações fica a servir de arrumador para os outros. Nos dias que correm tem que se saber fazer várias coisas, acorrer a solucionar problemas tão díspares como proferir uma sentença judicial ou elaborar o cálculo semestral dos gastos de consumíveis. E quem não for capaz de o fazer... Há sempre alguém disposto a abrir os glúteos para se alapar.

Porquê? porque sim




Enganados são os que acham que lá por eu ter sapatos meio estranhos também o sou. Se calhar até sou, mas não me vejo assim. Aliás, este desvio dos sapatos não tem sustenção nenhuma em problemas de identidade ou traumas infantis por serem revelados. Gosto de simplicidade, tons neutros, franqueza no olhar e palavras usadas sem desperdício para não poluírem. (Podía dar-me para snifar coca... mas deu-me para isto)

Very special




Convenhamos que estes não deixam ninguém indiferente. Mesmo que o sejam pelas piores razões. Já as estou a ouvir... Mas só em ocasiões especiais. Portanto, aprumem-se nas vossas criticas, por favor. Não aceito banalidades.

Confissão





As minhas raízes burguesas e vinculadas à religião católica-apostólica-romana cedo foram um constrangimento para mim. E para as minhas tias, beatas à antiga, com direito a novenas, missas de variados dias e por várias almas, moeda no cesto das esmolas e muita caridadezinha servida em pratos de sopa entregues aos mendigos que a sorvíam fria nas escadas. Depois de ter sido rotulada de vermelha, contestatária, rebelde, endemoninhada, o melhor que me conseguiram atirar foi o de anarca. Passados tantos anos, repete-se a cada data de Maio as mesmas cenas: Os fiéis de joelhos, a busca da salvação e as minhas tias já muito velhinhas ainda a pedirem por mim.

Fardas


Cansa-me entrar em qualquer estabelecimento de serviço público e ver um grande número de funcionárias vestidas com a mesma cor, o mesmo modelo, os mesmos acessórios, o mesmo corte de cabelo e tinta e ainda o uso do mesmo vocabulário empregue indistintamente entre elas e a quem aí recorre. Parece que pela manhã saltam directamente para dentro de um molde, uma farda que lhes paramenta até ao carácter e da melhor forma possível lá desempenham o seu papel no personagem que encarnaram. Que é feito da diferença que tanto se proclama aos quatro ventos?

Luz



E pronto: havía luz e depois era a escuridão completa. Cumpri rigorosamente o trajecto idiota de dar aos interruptores, experimentar noutro cómodo, abrir a porta e espreitar o patamar, de seguida a janela, à procura de outros que se encontrassem como eu. Velas. Onde estão as velas? Ah, claro que as velas estão no vão da caixa da electricidade. Mas o que estava era o que tinha restado, ou seja um coto com um pavio seco e quebradiço que depois de lhe chegar um fósforo (e o que penei para encontrar os amorfos???) besuntou o ar com cheiro de igrejas e os meus dedos com uma estearina irritante e quente (claro, não é?!). Passei visita à casa inteira mas não sei à procura do quê. Finalmente agarrei o meu livro e tentei ler, mas a luz da vela é tendenciosa e a minha concentração passou-se toda para os tempos em que não havía electricidade.

Free of



Não sei muito bem como hei-de intitular este post sem ser por empréstimo aos súbditos de S.M. Britânica. A questão é que o free of (livre de, numa tradução ainda mais livre) açúcar, gordura, alcool, cafeína e outros quejandos minou os nossos velhos e bons produtos alimentares portugueses. Num repente tudo passou a ser light (leve, ainda numa tradução bastante livre; e ligeira) e quem não consome desta estirpe está condenado ao insucesso. Ele são as saladas light (alguma vez foram heavy?!), a cerveja sem alcool, o chocolate sem rasto de açúcar, a manteiga (AH! a manteiga! Lembrei-me do Marlon Brando...) com metade das calorias, o café e o chá sem as ínas. Parece-me é que desta forma o conceito do free vai parar às urtigas e tal como o fumador actual é olhado como um criminoso, em breve os que se alambazam ao balcão com a bela da imperial e o pires de alcagoitas tê-lo-ão que fazer na clandestinidade.

E ainda


Lá vai aparecendo em publicidade - felizmente com mais frequência - a imagem masculina como ferramenta de marketing. Eu acho bem, aliás muito bem. Gosto de ver coisas bonitas e quando o modelo tem um palminho de cara e outro bem medido de corpo tanto melhor. Mas o jovem deste anúncio da Dolce&Gabana a única reacção que provocou em mim foi um ataque de riso. O rapaz até pode calçar bem, ter um pirilipau dourado e ser aparentado com a enguia eléctrica mas que é do mais ridiculo nesta figura! Claro que eu não percebo nada de publicidade mas se eu fosse homem não querería que o meu rendez-vous ficasse reduzido a um par de sapatos. O que me leva a recordar uma velha anedota...

Uma questão de peso


Quando os vi rendi-me. Mas passado o instinto básico a pergunta impôs-se: 20Kgs? Os sapatos pesam 20Kgs? Não, talvez não. Ah! 20Kgs de peso máximo que aguentam! Mas... em cada perna? Ou distribuídos pelas partes do corpo humano, cabeça, tronco e membros? Pois, não sei. Mas se é esta última hipótese já muita gente fica excluída. A começar pelo nosso governo. (Vá lá saber-se porquê mas lembrei-me do Entroncamento, de abóboras com 20Kgs...)

Frágil


A vida tem destas coisas mesquinhas dos ciclos: nascer, viver e ir-se. Mesmo que a ironia duma dessas etapas tenha sido o não haver tempo para disfrutar dela. Faz-se a cerimónia fúnebre, elege-se o defunto como o melhor ser humano à face da terra, atiram-se-lhe uns torrões e vamos para casa que já não há nada a fazer. É verdade, mas incomoda-me a fragilidade da coisa, da passagem quero dizer. Os de fé dirão que foi para o céu. Mas a mim parece-me muito mais que retornou à terra. (A fragilidade é minha, quase de certeza...)

Trabalho&Cognac


Trabalho e cognac, ou a analogia fina para a água e o azeite não se misturam. É como o trabalho: Não se deve trazer para fora de portas do emprego. Acaba sempre por dar mau resultado. Perdem-se as fronteiras entre o dever e o descanso e é uma confusão tremenda. Basta ver aqueles arranjinhos que se transformam em serão. Às tantas o trabalhador não deixa de desempenhar a sua função e na hora do ripanço lá põem as mangas de alpaca à antiga, fazendo original e cópia.

Famas



Não me incomoda rigorosamente nada que me considerem uma mulher fria e sem emoções, aliás uma cabra fria e com falta de gajo, como já ouvi. Isto tem as suas vantagens: Desvia eventuais chamadas de atenção sobre a minha privacidade e embora seja tentador dizer se tu soubesses filha/filho, não o faço e lá vou levando a minha vidinha impoluta. Mas se me vissem numa destas noites, de chá gelado e folhinha de hortelã, a mirar oh lua que vais tão alta, decerto a teoria caía por terra. E naquele momento o que interessava era mesmo a lua. Até suspirei.

Violetas


Acho que já aqui falei de flores e da minha predilecção por camélias. Talvez por serem as minhas favoritas nunca as tenho perto. Deve ser a isso que se chama o objecto do nosso amor, não propriamente a coisa em si mas a distância que causa essa adoração. Mas tenho violetas, ou melhor tinha, porque que de uma dia para o outro algumas murcharam, engelharam-se e o viço que lhes dava a graça foi-se. Voltei a pensar no objecto do nosso amor: Tenho cuidado destas violetas da melhor forma que sei mas parece que não chegou, talvez água a mais ou de menos. Como o amor: escasseando esquecemo-lo e desacredita-se; em demasia, enjoa ou abafa.

Etiquetas


Enquanto todos correram furiosamente para a areia, para o mar, para o jogo de raquetes e para as bichas de regresso (eu disse bichas, não quero dizer filas), eu fiquei por casa com uma legenda ao pescoço: Deves ter a mania que és intelectual. Ler? Num dia como o de hoje? Cheio de sol? Pois é isso mesmo, sem mais explicações. E garanto que não é por imposições estéticas sobre o envelhecimento precoce da pele, que eu sou do tempo em que os escaldões estavam na moda (os sinais e as sardas nas minhas costas atestam-no). Mas_______________________ Não há mesmo pachorra para ajuntamentos e gritaria. Prefiro os do livro. São batalhas minhas. Porque me apetece.