Sazonalidades

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Sinto-me uma trabalhadora agrícola, sazonal. Entra-se no Outono e no Outubro e eis-me, qual tarefeira na apanha de um qualquer legume serôdio que se encarrega de dar trabalho a muito boa gente. Vem esta comparação a propósito do meu desaparecimento durante os meses de calor. É mesmo isso: O sol leva-me o ferrolho e há que dar uso às sandálias. Uma vez que do Estio já só resta a memória, resta-me a mim voltar a apetecer. E apeteceu-me. Com um chá, claro. Depois da silly season há que fazer uma limpeza ao organismo ( Ah! Não tenho calçado para andar na lavoura, por isso reduzo-me a este espaço)

Liberdade, liberdade


Passaram dois dias e nem um pio. Um ai que saudades da luta de rua e das palavras de ordem e das manobras imaginativas à fuga de uma carga de porrada por ajuntamentos a três. Pois é, bastaram dois dias e já ninguém fala da celebração do dia da liberdade. Quanto muito queixam-se do calor nos pés e de uma moinha no ombro, os anos não perdoam e andar na manif de braço levantado, atiçado e punho erguido já não é para eles. E depois ninguém os pode condenar: este ano comemorou-se o dia em grande, uma grande afluência, uma grande vontade de gritar pelas liberdades que parecem andar arredadas deste nosso canto. Mas também ninguém lhes pode dizer: que calhou a um Domingo este feriado e no dia seguinte há que laborar, colaborar com os que anos atrás sanearam... É que esta coisa de Abril é como o provérbio de águas mil.

Sol


O sol chegou, entrou de rompante, mastigou o cucuruto e derretou roupas de inverno (já chega!!!). Mas queixam-se: que este não é um bom sol, muito dado a constipações velhacas, surpreendente no não sei o que vestir, desonesto nos dedos de pé que se exibem encravados por tanto mês de sapato fechado, pela moleza repentina que aperta o pescoço no pós-almoço. Não é uma cobra qualquer, é uma jibóia imensurável que nos sufoca os sentidos e faz inchar as extremidades (leia-se as que quiserem ou melhor lhes aprouver). Eu, estreante nos scarpi do último grito só tive que conter os meus, as bolhas são do imaginário e a falta de pele no calcanhar é bem provável que me dêem um dia de perna à rã. Além disso, vaidade não tem dor e o sol quando nasce... é quase para todos.

Mar


Fartinha de água na vertical apeteceu-me olhá-la noutro plano. Mar. O nosso mar é belo, é imenso, traz paz leva melancolias. Não que eu as tenha tido ultimamente, refiro-me às duas mais concretamente, mas do espirito sempre se lavam aquelas nódoazinhas incómodas e convencemos o grilo falante a calar-se para nos perdoarmos sobre o que deveríamos estar a fazer em vez de olhar o mar. Deixei o mar vazio depois de o olhar, trouxe-o comigo, troquei o meu deserto por tanta água e matei a sede de não ter preocupações e obrigações. É por isso que ele está sempre deitado.

1º de Abril


Podería ser mas não é. É mesmo um folar de excepção, saboroso, macio, com o leve travo do fruto que lhe dá o nome: Folar de amêndoas. Podía ser uma mentira, que hoje é o dia delas (a sério?! Só hoje???), mas não é. Existe mesmo o dito cujo e a comprová-lo, uma réstia de migalhas que vou lambendo dos beiços à medida que embrulho o pedaço que ultimo na boca. E a seguir vou comer mais um pedaço. E ainda outro se me apetecer. E depois ataco as amêndoas de chocolate, o ninho da Páscoa com o forro de fios de ovos, regresso às amêndoas de licor, as torradas, as francesas. E o fígado aplaude. E a balança guincha só de me ver aproximar. E na segunda-feira quando regressar confesso todos estes pecadilhos. E porque peço justiça, hei-de fazer jus ao dia de hoje e revelo que nem uma grama engordei.

Do hoje uma hora de ontem


Talvez do sol, talvez da chuva ou somente a segunda impiedosa a flagelar-me o horário incrementado nestas invenções de uma Europa que teima ser moderna e clama, no entanto, o seu estatuto de velho continente. Hoje não me apeteceu. Nada. Deixei numa fúria mansa o relógio nos números antigos e quase, quase, tive vontade de lhe dar corda à boa maneira do tempo passar sem lhe mexermos o indispensável. Não me apeteceu fazer coro a este jet lag imposto em que supostamente dobramos as estações e fazemos frente à natureza, mudando-a de Inverno para outras amenas temperaturas em que o corpo se lasciva em tardes que não findam. A segunda-feira ainda não acabou, porém o passado pertence já à terça que espreita.

FdS


Vivaldi na faixa da Primavera, cheio de repiques, tiques, arpejos, picados, um som de abelha laboriosa. Fecho os olhos e talvez (o sacana) se afaste. Aconchego-me à almofada de penas e autorizo-me a mais um par de horas. Nem mesmo assim, o som zumbido e (moltto allegro) esperto como um espumante se afasta e me deixa pensar noutras coisas mais sérias. Quero ficar, Vivaldi quer-me fora da cama. Odeio quando as músicas se instalam no meu cérebro. Passei o fim-de-semana com Vivaldi. É um bom amante, embora os folhos e a peruca me irritem um pouco. Talvez leve emprestada a sua indumentária na segunda-feira. Quero só ver quem tem a coragem de fazer um reparo que seja.

O abc da imagem


A velha máxima de que uma imagem vale por 1000 palavras depende muito do contador: Não do número mil, mas do contador de estórias. Uma noite destas vi-me entalada entre comensais que me eram perfeitos estranhos. Nunca os vira, nunca lhes sentira o cheiro e muito menos sabía dos seus hábitos alimentares. A vida tem destas coisas e eu, que embora me perca por surpresas temi que este encontro às escuras terminasse numa mesa de fastio. Enchi-me, regalei-me, lambi-me. As palavras beberam-se fluidas, a conversa variou no som, no tema, subiu de interesse à medida das horas passadas numa correría de não querer fechar a noite. Lembrei-me de tertúlias e adoçei o palato num até breve, até à próxima.

Cada um com a sua


É por de mais estranha a semelhança entre o mundo cruel e as virtudes deste tão perfeito inventado vilarejo mecânico. Ausente daqui e agora aqui regressada, apercebo-me que as coisas se desenrolam na sua costumada velocidade ao impulso de um toque. Lá fora, aonde circulo, mais do mesmo. Encontrei uma "velha" conhecida dos tempos de escola que me presenteou com uma festa capaz de fazer inveja a um comicio. Eu, afanada pelos abraços e nada apreciadora de estrilhos, arrotei um Olá baixinho e pedi desculpa, esperançosa que a outra me desse espaço para a fuga. Achou-me diferente, macambúzia, tristonha, doente e daqui até às suas maleitas foi um fósforo. Quería falar dela. dela. As interrogações de elegância e cortesia abriam-lhe botijas de ar para o disparo de novo monólogo. Lembrei-me de alguns comentários que por aí leio, a experiência de vida do comentador vem sempre à tona, ignoram o publicado e traçam linhas de paralelismo entre o que (não) leram e a sua sorte. Mas se calhar também não é assim... eu é que a deixei de ouvir.

Outra vez?!


Parece que me deu mesmo forte: dois dias seguidos a escrever no blog, a fazer de conta que voltei às velhas lides em que o apetite era todo ocioso, a fingir que não tenho mais nada de útil a fazer, a tentar esquecer que as obrigações justificam a chateza do nome. Talvez arranje uma desculpa, sórdida bem entendido, há outras? É que na verdade estou cansada do tem que ser e já agora, aproveito que sou a digna proprietária deste espaço vazio e preencho-o com outras inutilidades. Como a verdade é sórdida...

Calos


Agora que já apetece largar as botas de montaria e pôr um decote no peito do pé, resolvi que a segunda deste dia sería o prazo ideal para acabar com o silêncio a que me devotei. Não foi forçado, não foi intencional mas veio a jeito para arrumar certos assuntos que me fazíam doer os pés. Não sei se são como eu, mas a mim, quando o calo aperta, não consigo focar-me em mais nada. Agora assim, já leve, os dedos roçando a pele vizinha dos demais, sinto que a coragem da escrita regressa e de extremos como sou, melhor mandar pôr a pequena bolinha vermelha lá no alto, à direita do monitor, não vão uns Prada sagrados arrebitarem-se em chanatos de vizir. (calos sim, no dedo que ampara a caneta)